Pedal patagônico: Trecho 1.2 – Hotel Rio Rubens -> Villa Tehuelches


IMG_20160102_111241623Na noite anterior, a dona do hotel havia pintado um cenário desolador quanto às chances de encontrar abrigo na ruta 9 antes de chegar a Punta Arenas. Já sabíamos disso pela nossa pesquisa prévia e pelas informações obtidas com um amigo da Naíra, do Domos, mas tínhamos perguntado na esperança de não estarmos tão bem informados. No mapa, havia indicação de mais dois hotéis ao longo da rodovia. Segundo a dona, um não existia mais e o outro era numa estrada secundária, de ripio (cascalho). O único povoado no caminho, Villa Tehuelches, não teria uma pensão ou albergue, mas provavelmente poderíamos armar nossa barraca em algum canto.

Na manhã do dia 2 de janeiro, saímos do Hotel Rio Rubens às 10 h com um vento de cauda que nos impulsionou estrada abaixo. Como queríamos pernoitar em algum lugar com um semblante de civilização, nosso plano era conseguri compeltar os 80 ou 90 km (as informações eram contraditórias) que nos separavam de Villa Tehuelches naquele dia. Antes, tentaríamos sondar as possibilidades de pernoite em Morro Chico, que ficava a 40 km do hotel, mas já sabíamos que as chances de haver algo além do posto dos carabineros (a polícia chilena) era remota.

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Morro Chico

Duas horas e meia depois de partirmos do hotel, chegamos a Morro Chico. O lugar era um antigo sítio arqueológico qu epodia ser visitado, mas hoje em dia não há nenhuma atividade no local, embora ainda seja possível subir a pedra. Como previsto, o único ponto de suporte era o posto dos carabineros, que está localizado lá por conta da proximidade com a fronteira da Argentina. O policial confirmou nossas informções e, ao contrário da dona e funcionárias do hotel Rio Rubens, que nos disseram ser muito raro ver ciclistas na rodovia, nos disse que já haviam passado vários cicloturistas naquelas semanas. Depois de usarmos, o banheiro do posto, comemos nossos sanduíches expostos ao vento incessante e continuamos viagem.

Lutando contra o vento
Lutando contra o vento

Ao longo da tarde, devido à mudança de curso da rodovia ou simplesmente ao seu capricho, o vento intenso passou a nos pegar de lado, dificultando em muito o progresso. O vento em si nem era o problema principal — as rajadas, bem mais fortes, é que complicavam tudo. Quando vinham, nos jogavam de próximo do acostamento para o meio da via e, às vezes, até para a pista oposta. Paramos váriaz vezes e cogitamos pedir abrigo numa das estâncias ou carona a um dos poucos veículos que passavam, mas desistimos e continuamos.

Depois de quatro horas (e um total de 82 km pedalados naquele dia), vimos com felicidade a placa que anunciava Villa Tehuelches, que, para a nossa alegria, mostrava, entre os serviços disponíveis no povoado, hospedagem. Logo na entrada da vila, à beira da estrada, haviam dois negócios. Uma cafeteria e uma venda. A funcionária da venda destruiu nosss esperanças, dizendo que não havia pensão ou albergue nem Villa Tehuelches. Tentamos convencê-la a nos deixar estender nossos sacos de dormir em algum depósito do estabelecimento, já que o prospecto de erguer a barraca naquele vento era tenebroso. Ela quase cedeu, mas sua mãe de coração empedernido vetou a possibilidade.

O carabinero de plantão explicou que a cidade ficava vazia no fim de semana (era domingo) e que poderíamos armar a barraca na Medialuna, local onde realizavam uma espécie de rodeio, ou no ponto de ônibus. Não havia viva alma nas ruas e quando pegamos uma mulher nos espiando pela janela de sua casa, ela rapidamente fechou a cortina A igreja, segundo o policial, ficava fechada e o padre só vinha uma vez por mês, mas quando passamos por ela, havia um grupo entrando — tinham vindo de Punta Arenas visitar a Virgen de Los Pampas. Disseram que a igreja ficava sempre aberta e que podíamos estender nossos sacos de dormir lá se o carabinero concordasse. Ele respondeu que não sabia quem eram essas pessoas e não poderia concordar, a não ser que elas viessem conversar com ele.

Acampando no ponto de ônibus de Villa Tehuelches
Acampando no ponto de ônibus de Villa Tehuelches

Nesse meio tempo, Sandra encontrou um casal de cicloturistas franceses, Julia e Laurent. Após confabularmos sobre as possibilidades de Villa Tehuelches, Laurent investigou o ponto de ônibus e o aprovou. Nos instalamos e conversamos sobre as respectivas experiências. Os franceses haviam tirado um sabático estendido — direito garantido na legislação trabalhista francesa — e estavam viajando há 12 meses, tendo começado na Colômbia. Eles ainda tinham mais um mês de jornada. Combinamos despertar cedo na manhã seguinte para sairmos às 6 h e, assim, evitarmos o vento, que começava a ficar mais forte lá pelas 10 h, quando o ar aquecido pelo sol sube e cria uma zona de baixa pressão que arrasta os ventos frios dos Andes para os pampas. Tínhamos nossas dúvidas se conseguiríamos acompanhá-los — Julia e Laurent haviam saído de Puerto Natales naquele dia e percorrido 150 km em cerca de seis horas.

 

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