
Acordamos às 5 h para escaparmos do vento. Os chineses já estavam levantados, porque haviam se deitado logo depois que chegamos, na noite anterior. Apesar de madrugarmos, os suíços, que se levantaram um pouco depois, estavam prontos antes de nós e saíram em direção a Porvenir. Estavam bem dispostos, apesar de ter pela frente estrada de terra com vento contra e chuva (começou a chover) na cara. Por sorte, quando finalmente terminamos de nos aprontar, a chuva já havia parado e seguimos serelepes em direção a Rio Grande.

No início, vislumbramos o mar ao longo da rodovia (mais tarde, descobriríamos que a baía de San Sebastian tem uma maré com variação de 9 m de altura), mas logo ele retrocedeu e voltamos a ter pampa dos dois lados. Ao longo do dia, o vento subiu e mudou de lado, nos pegando de lado a uma velocidade absurda. Lá pelo meio dia, o Hélio decidiu entrar numa usina de compressão de gás, a La Marina, para pedir abrigo do vento e um local onde pudéssemos comer nossos sanduíches. Fomos recebidos pelo amável Fabian, que não só nos permitiu entrar, como também deixou que usássemos o banheiro e o refeitório. Ele e seus dois colegas nos fizeram companhia enquanto comíamos. Conversamos sobre cicloturismo, a rota por vir, a situação da Argentina e o Brasil. Descansados, partimos de volta para a ruta 3.


O vento não havia arrefecido nesse meio tempo. Pelo contrário, parecia ter ganho mais força — algumas pessoas disseram que atingiu 120 km/h, com rajadas de 140 km/h. Pedalávamos junto ao acostamento, mas as rajadas nos jogavam na pista contrária e, quase sempre, quando havia um carro vindo em sentido contrário. Em um determinado momento, quase fomos atropelados. Durante essa peleja, cruzamos com dois outros cicloturistas que faziam o caminho contrário: um jovem alemão e um holandês da nossa idade. Haviam saído juntos de Rio Grande, mas o ciclista teutônico se distanciara do seu companheiro dos Países Baixos. Conversamos mais com esse último — até onde o vento incessante deixava — e ele nos deu algumas informações sobre o caminho por vir. Ambos sugeriram que ficássemos na hospedaria El Argentino, em Rio Grande.

Chegamos num ponto em que a Sandra não conseguia mais avançar e ela optou por pedir uma carona. Após algumas tentativas, um jovem numa caminhonete parou. Ele disse que não poderia levá-la até Rio Grande, a cerca de 20 km, porque o carro era da empresa petrolífera para a qual trabalhava e era de proibido de sair de um determinado circuito, sendo rastreado por GPS. Mas ele poderia deixá-la numa parada de caminhão a 3 km dali, onde eu, que seguiria de bicicleta, poderia encontrá-la. Colocamos a bike na caçamba e, quando a Sandra foi entrar na caminhonete, o vento aprontou mais uma: uma rajada fechou a porta no tornozelo dela. Apesar da dor, não parecia haver um estrago maior e eles seguiram, enquanto eu voltei a me degladiar com o vento.

Os 3 km vieram e se foram, e nada de parada de caminhões. Passei os 4, 5, 6 e 7 km, e continuei sem ver o local. Nessa altura, encontrei o Hélio, que havia se distanciado de nós e parou para nos esperar. Expliquei a situação e ele disse que havia visto uma caminhonete passar com uma bicicleta na caçamba, além de uma mochila colorida muito similar a da Sandra. Conclui que o rapaz devia ter dito 13 km e eu não havia entendido corretamente. Continuamos pedalando até a nova marca e chegamos num posto da gendarmeria, onde achamos a Sandra tomando chá. O tornozelo estava inchado e dolorido, o que impedia que ela continuasse. Por sorte, o engenheiro que trabalhava com os gendarmes se comprometeu a levá-la até Rio Grande quando terminasse seu turno, às 17 h (se ele não pudesse por algum motivo, os gendarmes a levariam). Enquanto descansávamos lá, um motociclista brasileiro chegou. Ele estava bem assustado com a força do vento e havia decidido ficar na gendarmeria até as 21 h, quando a ventania deveria diminuir.
Tendo nos assegurado de que a Sandra estava em boas mãos, eu e Hélio decidimos seguir nas bicicletas. Os funcionários do posto nos disseram que Rio Grande ficava a 16 km, mas pelas minhas contas, eram uns 23 km. O vento continuava enlouquecido e os quatro primeiros quilômetros após a gendarmeria foram problemáticos, mas, depois, as mudanças de direção da rodovia aliviaram um pouco o problema, inclusive nos dando vento de cauda em alguns trechos. Pedalamos pelo pampa durante um tempo, mas uma curva em ladeira nos trouxe de novo a visão do mar. Essa curva, por sinal, parece ser bem perigosa no sentido contrário, dado o grande número de altares para vítimas de acidente.

Os funcionários da gendarmeria estavam certos — o limite da cidade de Rio Grande ficava a 16 km –, mas eu também: tivemos que pedalar mais uns 7 km para chegar na Hospedaria El Argentino, no centro. Sebastian, o dono, só tinha um quarto de casal livre, mas disse que poderia por um colchão no chão para que nós três pudéssemos dormir juntos. Se não quiséssemos, poderíamos armar as barracas no quintal da hospedaria. Pegamos o quarto e ele ficou de checar na manhã seguinte se haveria outro livre. Enquanto o H;elio foi descansar, fiquei esperando a Sandra, que chegou, trazida elo engenheiro, pouco depois das 17:30, sã e salva.