Isso é, obviamente, um problema grave para quem tem mobilidade reduzida — cadeirantes, idosos etc. –, mas afeta também os ciclistas. Pelas regras do Metro Rio, eles não podem usar os elevadores, que são de uso “exclusivo” e não preferencial, além de, pelas regras da companhia, também não poderem levar as bicicletas nas escadas rolantes. Fora a truculência dos agentes de segurança do Metro Rio.
Seguidas à risca, essas normas significam que ciclistas têm que se aventurar carregando suas bikes nas escadas — a mesma situação que levou à morte da mãe americana.
A foto abaixo, tirada na estação Saens Pena da linha 1, é um exemplo dessa situação.
Eu e Sandra estamos a ponto de começar a parte de pedal da nossa segunda cicloviagem: Canadá. Depois de ficarmos uma semana em Toronto, estamos partindo hoje para o parque nacional de Bruce Peninsula, onde devemos chegar no domingo.
Desta vez, quem nos acompanha é o casal de amigos que reside no grande norte: João e Celina. É a primeira cicloviagem deles e decidimos fazer da ocasião um projeto, batizado de 4Quadros (ou 4Frames, em inglês — tem aliteração nas duas versões; que maneiro!). Vamso alimentar o site com relatos, imagens e vídeos da empreitada. No momento, o site ainda não está completo, mas isso será corrigido em breve.
Dê um pulo lá e acompanhe a noss apequena aventura!
Este post é uma compilação de alguns dados sobre a viagem.
Percurso
Total (El Calafate-Ushuaia): 1.000 km
Bicicleta: 598 km
Ônibus: 272 km
Carro: 98 km
Barca: 32 km
Duração
Total (El Calafate-Ushuaia): 28 dias
Pedalando: 9 dias
Progresso (pedal)
Médio: 66,44 km/dia
Maior trecho: 111 km (Rio Grande-Tolhuin)
Menor trecho: 49,40 km (Tolhuin-Lago Escondido)
Avarias
Fred: relação dianteira (no transporte no avião)
Sandra: disco de freio dianteiro (no transporte no avião)
Pneus furados: 0
Também procurei manter controle sobre gastos e peso dos itens, mas não fui tão preciso e completo nesses quesitos, por isso não os apresento aqui. Prometo ser mais cuidadoso na próxima viagem, que começa amanhã: Canadá!
Acordamos por volta das 5 da manhã e, pouco antes das 7, estávamos na estrada. Como anunciado pelo colega francês, a subida não era tão tenebrosa assim e, sem vento contrário, progredimos num ritmo satisfatório. A paisagem que acompanhava a subida era a do prórprio lago Escondido, que daquela altura, aparecia em todo os eu esplendor. No caminho, encontramos com um grupo de cicloturistas que tínhamos visto pela primeira vez na pousada El Argentino, em Rio Grande: Ana Lia, seu marido Jorge Meji, os dois filhos do casal e o amigo Lucas Miller. Acabaríamos por seguir até Ushuaia em conjunto, algumas vezes à frente, outras atrás.
Lago Escondido (lago Khami ao fundo)Chegando no passo Garibaldi
Quando alcançamos o famigerado passo Garibaldi, paramos para tirar fotos e registrar nossa conquista. Depois, seguimos para o outro lado, descendo para o vale. Na minha cabeça, seria uma descida constante até Ushuaia. Ledo engano. A estrada nos levou até o vale e de lá ainda foram uns 40 km até Ushuaia, com direito a algumas subidas íngremes no caminho, além de uma corrente partida, no caso do Christian. Por sorte, Jorge é um mecânico ceritificado pela Shimano e rapidamente resolveu o problema.
O vale
Com Christian Beiser, Ana Lia, Jorge Meji, Lucas Miller e as ciclistas de Ushuaia
Seguimos aproveitando a paisagem do vale e, no caminho, encontramos três ciclistas de Ushuaia (Mirta Mores, Charo Zingoni e outra que nao peguei o nome), que costumam pedalar na região. Elas tinham preparo físico de dar inveja, como pudemos comprovar no breve período em que nos acompanharam no percurso. Quando chegamos no resort de ski Cerro Castor, decidimos parar para comer um cordeiro patagônico. As três seguiram viagem de volta a Ushuaia acompanhadas por Christian, que precisava chegar mais cedo devido a sua hospedagem.
Eu, Sandra e Hélio, mais Ana Lia e seu grupo almoçamos — devo confessar que não achei o tal cordeiro lá essas coisas — e continuamos na estrada para fechar os quilômetros que faltavam, dessa vez com vento contra, além das subidas. Mas apesar desse esforço final, chegamos ao Fim do Mundo, como as fotos abaixo podem comprovar.
O portal de UshuaiaUshuaiaPassaporte carimbadoFim do mundo
Ficamos cinco dias em Ushuaia e conheçamos várias atrações da região, como o Parque do Fim do Mundo e a Estância Halberton (com direito à visita ào berçario de pinguins). Foi um final excelente para uma viagem incrível. Fomos totalmente infectados pelo vírus do cicloturismo e passamos a planejar destinos possíveis para futuras viagens.
Este post marca o fim do percuso, mas farei uma postagem final com um resumo dos dados.
Ontem à noite, dia 3 de maio de 2017, um taxista me atropelou quando eu voltava de um pedal. Sua roda prendeu meu pé e, por angustiantes segundos, achei que ele estilhaçaria meu tornozelo. No final, escapei com um escoriação feia, um edema, um corte e abrasões.
Esse foi o meu terceiro acidente sério envolvendo carros (sem contar finos, fechadas etc.) desde que comecei a usar a bicicleta como modal de transporte urbano em 1998. Um amigo que é ciclista recente já levou uma portada de um passageiro que saía de seu Uber e teve que engessar o braço.
Pensei no número de ciclistas que já devem ter passado por isso, mas cujas experiências não necessariamente são visíveis (se é que viram estatísticas) e me lembrei de uma condecoração norte-americana, o Purple Heart, agraciada a soldados que são feridos ou mortos em combate.
Por que não termos uma Purple Bike ou Bicicleta (ou Bike) Púrpura?
A ideia é ter um símbolo que quantifique o número de acidentes sérios nos quais o ciclista foi vítima. Por exemplo, eu teria três Bicicletas Púrpuras. Seria mais uma maneira de dar visibilidade ao perigo que aqueles que usam a bicicleta nas ruas brasileiras estão submetidos.
Só para deixar claro, não é para ser uma homenagem à imprudência, uma medalha de guerra ao carro ou um símbolo de mérito a sua indestrutibilidade. A ideia é outra, mais positiva.
Como não sou designer ou artista gráfico, improvisei duas versões usando imagens de domínio público. A primeira é mais fiel à inspiração original, mas é meio estranho chamá-la de Bicicleta Púrpura, já que a bike é branca. Na segunda, a bicicleta é da cor apropriada, no entanto o desenho não chama tanta atenção.
Deixo os arquivos psd e png disponíveis para quem quiser melhorar a ideia. Usem e abusem.
E que nenhum ciclista, daqui por diante, ganhe uma Bicicleta Púrpura!
Sandra, Christian e Hélio em frente à Panadería Unión
Assim como em Rio Grande, a ideia era só pernoitar em Tolhuin, mas dada a pedalada de 111 km, achamos melhor descansar um dia antes de seguir viagem. Nessa primeira noite, ficamos no quarto que o dono da Panadería La Unió
n disponibiliza no depósito da padaria para cicloviajantes e andarilhos. As paredes do cômodo são repletas de desenhos e mensagens de outr
os viajantes que já haviam passado por ali. O quarto conta com uma cama de solteiro, um beliche e um colchonete. A cama já estava ocupada por um viajante alemão que trabalhava na padaria há um ano para aprender o ofício. Hélio ficou na parte de cima do beliche; Sandra, na de baixo e o colchonete sobrou pra mim.
Bicicleta dupla recurva de Anysia e Alexi
Nessa mesma noite, outros cinco cicloviajantes chegaram a Tolhuin. Primeiro, um grupo de quatro que haviam se conhecido em Ushuaia e pedalavam juntos temporariamente: um chileno, um alemão e um casal de suícos, Anysia e Alexi. Estes tinham partido da Suíça, passado pelo Marrocos e chegado a Ushuaia, de onde seguiam para o Alasca. Eles viajam numa bicicleta dupla recurva. O último cicloviajante a chegar foi o argentino Christian Beiser, que nos acompanhou até o final da viagem.
Às margens do lago Khami (ou Fagnano)
Na manhã seguinte, nos despedimos de Anysia, Alexi e os outros dois, e aproveitamos para conhecer a pequena Tolhuin na companhia de Christian. A cidade fica às margens do lago Khami (ou Fagnano), onde encontrams um condomínio de chalés e o que pareceu ser um aparque de diversõe sou feira abandonado. Na volta, comemos torta frita. À noite, eu, Sandra e Christian mudamos para uma pousada, porque ele não estava conseguindo dormir e a Sandra teve uma crise de alergia. Mas todos (incluindo o Hélio) jantamos juntos nessa última noite em Tolhuin.
Lago Khami
No dia 15 de janeiro de 2016, continuamos nossa jornada. A ideia era fazer pelo menos 50 km até o lago Escondido, mas tentar chegar a Ushuaia naquele mesmo dia não estava fora de questão. O clima estava agradável, com uma leve brisa, e prosseguimos calmamente, parando aqui e ali para tirars fotos. Por volta do meio dia, após 41 km de pedal, chegamos ao restaurante Villa Marina, onde paramos para comer sandíches e tomarmos café. Ficamos cerca de duas horas curtindo o local, que possuía um lago e uma enorme lareira.
Partindo de Villa Marino
Levamos cerca de 1:30 hora para chegar no posto da gendarmeria que fica ao lado do lago Escondido e no início do famigerado trecho de 7 km de subida que leva até o passo Garibaldi. Havíamos ouvido várias histórias de terror de como essa parte do percurso era difícil etc., mas eu estava disposto a tentar chegar até Ushuaia. Christian estava ambivalente e Sandra e Hélio preferiam acampar no lago e realizar o trecho final d aviagem no dia seguinte. A Sandra também estava sentindo o joelho e, após uma consulta com o veterinário local (o único profissional de saúde disponível), que lhe assegurou que não parecia ser nada sério, mas que ela não devia forçar o joelho, resolvemos acampar.
Lago Escondido (ao fundo, mais à esquerda: passo Garibaldi)
Pernoitamos à beira do lago numa área de churrascos. A uns dois quilômetros de distância, ainda na margem, encontram-se as ruínas de um antigo hotel. O cicloturista holandês que encontramos no caminho de San Sebastian para Rio Grande havia nos falado desse lugar como sendo bom para pernooite, pois poderíamos armar as barracas dentro das casas, onde estaríaamos mais protegidos, mas preferimos ficar a céu aberto. O Hélio, no entando, fez uma visita ao local. Pouco tempo depois de chegarmos, três cicloturistas se juntaram a nós: dois franceses e um paquistanês. Conversamos durante o jantar (os franceses nos surpreenderam com seu kit de jantar, que incluía uma garrafinha de azeite) e tivemos uma grata surpresa. Quando mencionamos o receio de enfrentar os 7 km até o passo Garibaldi, um dos franceses apontou o passo na distância e disse que a subida que víamos — não muito íngreme — era o trecho ao qual nos referíamos. Ele e o amigo já tinham feito o caminho, em ambos os sentidos, mais de uma vez e não era difícil.
Os franceses
Com essa ótima notícia para nos embalar, fomos dormir — iríamos acordar cedo para encarar esse último trecho e minimizar as chances de toparmos com vento contra.
A ideia original era apenas pernoitar em Rio Grande, mas, dado o perrengue do dia anterior, achamos melhor descansar um dia. Aproveitamos para conhecer um pouco a cidade e resolver pequenas coisas, como a lavar roupa, ir ao supermercado repor nosso estoque e levar a bicicleta do Hélio numa loja para consertar o bagageiro (ficou joia e custo 100 pesos). Entre os pontos que visitamos, está a Plaza Almirante Brown, onde encontramos um posto de informação turística fantástico. A atendente, além de superatenciosa, tinha informação sobre tudo que perguntávamos, inclusive se havia alguma van ou ônibus que pudesse nos levar de Rio Grande até Tolhuin — o tornozelo da Sandra ainda estava ruim e ela não sabia se poderia arriscar pedalar 111 km até a próxima parada na viagem.
Por do sol em Rio Grande
A resposta era sim: havia um serviço de vans que ligava Rio Grande até Ushuaia e fazia uma parada em Tolhuin, justamente na Panaderia La Unión, cujo dono oferecia um lugar para dormir gratuitamente para cicloturistas. Fomos até a companhia e descobrimos que havia vários horários ao longo do dia. Eles levavam a bicicleta também, mas teríamos que pagar uma passagem extra. No final das contas, a Sandra achou melhor não arriscar e seguir de van, enquanto eu e Hélio faríamos o percurso de bike.
Na manhã seguinte, acordamos às seis e saímos da pousada às 7:30. A Sandra ficou de pegar a van das 8:30, enquanto eu e Hélio seguimos pela estrada. Paramos num posto de gasolina na saída da cidade para calibrar os pneus e, depois, foram cerca de 4 km contra o vento. Por sorte, a estrada fez uma curva grande e acabamos com vento de cauda que nos acompanhou por boa parte da viagem. De início, a paisagem desolada do pampa continuou a mesma, com vislumbres ocasionais do mar, mas, ao longo do dia, a vegetação começou a mudar. A estepe começou a virar bosques e florestas, e o horizonte revelou montanhas.
Pampas
Durante a viagem, sempre ficava de olho nas vans que passavam para ver se era a que estava levando a Sandra. Imaginava que se ela passasse e nos visse, pediria para o motorista buzinar ou algo semelhante. Mas durante todo o trajeto, apesar de ver vans da companhia, nenhum sinal dela. Comecei a ficar preocupado, embora pensasse que ela poderia não ter nos visto ou passado por nós quando estávamos fora da pista por algum motivo.
E mais pampas
Na marca dos 72 km, o vento mudou novamente e voltamos a pegá-lo de frente. Vimos outra usina compressora de gás, desta vez da Camuzzi Gas del Sur, e paramos para comer. Os funcionários nos receberam bem, mas não foram tão calorosos quanto Fabian e seus colegas. Quando retornamos à estrada, o vento continuou forte e de frente — nosso progresso foi penoso, especialmente porque começaram a aparecer morrotes e, consequentemente, subidas. Parecia aquela piada sobre a Primeira Lei de Murphy para o ciclismo: não importa onde você vá, será morro acima e contra o vento. A força contrária era tanta que, do outro lado do morro, quando achávamos que teríamos um descanso porque era uma descida, a bicicleta ficava quase parada e éramos obrigados a pedalar para fazer a bike descer.
Usina de compressão de gásO italiano
Nessa parte, cruzamos com outro cicloturista em sentido contrário: um italiano. Ele vinha de Tolhuin e tinha pernoitado na panaderia. Aproveitei para perguntar sobre a Sandra e ele confirmou que ela estava lá — havia chegado por volta das 10 h –, o que me deixou mais tranquilo. Seguimos e, depois dos 96 km, o vento diminuiu um pouco. Junto com a sinuosidade do percurso, isso permitiu que chegássemos a Tolhuin ainda com alguma energia.
Chegando…Tolhuin!
Fomos recebidos pela Sandra logo depois da entrada e nos fartamos de facturas e medialunas na Panaderia La Unión.
Eu e a Sandra estamos participando da terceira edição do Bicicultura, o maior encontro nacional de mobilidade por bicicleta e cicloativismo, que acontece em São Paulo de hoje até domingo. Só a abertura, que contou com a presença de Fernando Haddad, prefeito da cidade, já valeu. Todos os convidados falaram coisas interessantes e pertinentes.
O módulo do qual participamos como um dos apresentadores, o Pedaladas – Cicloviagens, também foi bem legal e nossa apresentação, apesar de ser a “café com leite”, foi bem recebida pelo pessoal. Se você estiver em São Paulo nesse fim de semana, confira as palestrars, mesas redondas e atividades do Bicicultura. Elas estão acontecendo na Galeria Olido e na Praça das Artes, perto do Vale do Anhangabaú.
Acordamos às 5 h para escaparmos do vento. Os chineses já estavam levantados, porque haviam se deitado logo depois que chegamos, na noite anterior. Apesar de madrugarmos, os suíços, que se levantaram um pouco depois, estavam prontos antes de nós e saíram em direção a Porvenir. Estavam bem dispostos, apesar de ter pela frente estrada de terra com vento contra e chuva (começou a chover) na cara. Por sorte, quando finalmente terminamos de nos aprontar, a chuva já havia parado e seguimos serelepes em direção a Rio Grande.
O mar em San Sebastian
No início, vislumbramos o mar ao longo da rodovia (mais tarde, descobriríamos que a baía de San Sebastian tem uma maré com variação de 9 m de altura), mas logo ele retrocedeu e voltamos a ter pampa dos dois lados. Ao longo do dia, o vento subiu e mudou de lado, nos pegando de lado a uma velocidade absurda. Lá pelo meio dia, o Hélio decidiu entrar numa usina de compressão de gás, a La Marina, para pedir abrigo do vento e um local onde pudéssemos comer nossos sanduíches. Fomos recebidos pelo amável Fabian, que não só nos permitiu entrar, como também deixou que usássemos o banheiro e o refeitório. Ele e seus dois colegas nos fizeram companhia enquanto comíamos. Conversamos sobre cicloturismo, a rota por vir, a situação da Argentina e o Brasil. Descansados, partimos de volta para a ruta 3.
Fabian e seus colegas, que nos ajudaram na estradaE a usina de compressão de gás La Marina, onde trabalham
O vento não havia arrefecido nesse meio tempo. Pelo contrário, parecia ter ganho mais força — algumas pessoas disseram que atingiu 120 km/h, com rajadas de 140 km/h. Pedalávamos junto ao acostamento, mas as rajadas nos jogavam na pista contrária e, quase sempre, quando havia um carro vindo em sentido contrário. Em um determinado momento, quase fomos atropelados. Durante essa peleja, cruzamos com dois outros cicloturistas que faziam o caminho contrário: um jovem alemão e um holandês da nossa idade. Haviam saído juntos de Rio Grande, mas o ciclista teutônico se distanciara do seu companheiro dos Países Baixos. Conversamos mais com esse último — até onde o vento incessante deixava — e ele nos deu algumas informações sobre o caminho por vir. Ambos sugeriram que ficássemos na hospedaria El Argentino, em Rio Grande.
O retorno do mar
Chegamos num ponto em que a Sandra não conseguia mais avançar e ela optou por pedir uma carona. Após algumas tentativas, um jovem numa caminhonete parou. Ele disse que não poderia levá-la até Rio Grande, a cerca de 20 km, porque o carro era da empresa petrolífera para a qual trabalhava e era de proibido de sair de um determinado circuito, sendo rastreado por GPS. Mas ele poderia deixá-la numa parada de caminhão a 3 km dali, onde eu, que seguiria de bicicleta, poderia encontrá-la. Colocamos a bike na caçamba e, quando a Sandra foi entrar na caminhonete, o vento aprontou mais uma: uma rajada fechou a porta no tornozelo dela. Apesar da dor, não parecia haver um estrago maior e eles seguiram, enquanto eu voltei a me degladiar com o vento.
Curva perigosa
Os 3 km vieram e se foram, e nada de parada de caminhões. Passei os 4, 5, 6 e 7 km, e continuei sem ver o local. Nessa altura, encontrei o Hélio, que havia se distanciado de nós e parou para nos esperar. Expliquei a situação e ele disse que havia visto uma caminhonete passar com uma bicicleta na caçamba, além de uma mochila colorida muito similar a da Sandra. Conclui que o rapaz devia ter dito 13 km e eu não havia entendido corretamente. Continuamos pedalando até a nova marca e chegamos num posto da gendarmeria, onde achamos a Sandra tomando chá. O tornozelo estava inchado e dolorido, o que impedia que ela continuasse. Por sorte, o engenheiro que trabalhava com os gendarmes se comprometeu a levá-la até Rio Grande quando terminasse seu turno, às 17 h (se ele não pudesse por algum motivo, os gendarmes a levariam). Enquanto descansávamos lá, um motociclista brasileiro chegou. Ele estava bem assustado com a força do vento e havia decidido ficar na gendarmeria até as 21 h, quando a ventania deveria diminuir.
Tendo nos assegurado de que a Sandra estava em boas mãos, eu e Hélio decidimos seguir nas bicicletas. Os funcionários do posto nos disseram que Rio Grande ficava a 16 km, mas pelas minhas contas, eram uns 23 km. O vento continuava enlouquecido e os quatro primeiros quilômetros após a gendarmeria foram problemáticos, mas, depois, as mudanças de direção da rodovia aliviaram um pouco o problema, inclusive nos dando vento de cauda em alguns trechos. Pedalamos pelo pampa durante um tempo, mas uma curva em ladeira nos trouxe de novo a visão do mar. Essa curva, por sinal, parece ser bem perigosa no sentido contrário, dado o grande número de altares para vítimas de acidente.
A praia de Rio Grande
Os funcionários da gendarmeria estavam certos — o limite da cidade de Rio Grande ficava a 16 km –, mas eu também: tivemos que pedalar mais uns 7 km para chegar na Hospedaria El Argentino, no centro. Sebastian, o dono, só tinha um quarto de casal livre, mas disse que poderia por um colchão no chão para que nós três pudéssemos dormir juntos. Se não quiséssemos, poderíamos armar as barracas no quintal da hospedaria. Pegamos o quarto e ele ficou de checar na manhã seguinte se haveria outro livre. Enquanto o H;elio foi descansar, fiquei esperando a Sandra, que chegou, trazida elo engenheiro, pouco depois das 17:30, sã e salva.
A travessia do estreito de Magalhães foi tranquila, feita, em meio ao vento e ao sol, a bordo da barca Pathagon. Infelizmente, não rolou nenhuma aparição de golfinhos ou baleias. O desembarque foi realizado na baía Chilota, na Terra do Fogo, a 5 km de Porvenir. Essa distância foi rapidamente percorrida e logo chegamos à cidade, uma “megalópole” de 5 mil habitantes, a grande maioria dos quais não parece muito entusiasmada em aparecer na rua.
Baía Chilota e, ao fundo, Porvenir
Seguimos direto para nossa hospedagem, o albergue Los Canelos, e, logo na porta, conhecemos duas turistas alemães que iriam ficar no mesmo lugar: Doris e Regina. De fora, o albergue assusta um pouco — uma casa amarela um pouco dilapidada que poderia funcionar facilmente como locação de filme de terror. Mas, ao entrar, essa sensação muda completamente. Não só o interior da casa é confortável, aconchegante e bem arrumado, sua dona, Margarita, é uma pessoa muito amável que faz você se sentir como se estivesse em sua própria casa. Tanto nós como as alemães tiveram essa impressão.
Albergue Los Canelos
Almoçamos com Doris e Regina no restaurante Croacia e, depois, tomamos um café no albergue Yendegaia. Mais tarde, Sandra, Hélio e eu fomos dar uma volta por Porvenir nas bicicletas. A cidade não tem muitos atrativos, mas há um mirante num morro e decidimos visitá-lo ao cair da noite. O passeio serviu também para testarmos nossas habilidades de manobra em pista de ripio. A subida e a descida foram tensas, porque tínhamos que ficar bem atentos para que a bike não derrapasse e fôssemos ao chão. A ideia de repetir a experiência ao longo de uma estrada de 97 km não apeteceu nosso coração de cicloturista de primeira viagem e começamos a pensar em como conseguirmos um transporte para esse trecho.
Mapa de Porvenir no albergue Yendegaia
No dia seguinte, nos aventuramos pela estrada que leva ao norte da cidade para conhecer a laguna Los Cisnes, onde, supostamente, haveria flamingos. Depois de 12 km, encontramos a laguna, mas ela estava um pouco mais distante do que imaginávamos:
A caminho da laguna Los CisnesLaguna Los Cisnes… Muito longe.
Ao voltar a Porvenir, descobrimos que a laguna já não era mais tão badalada, porque as pessoas deixavam seus animais pastarem na área e acabaram espantando as aves. Almoçamos no hotel Barlovento, que fica no caminho para a laguna, e, de tarde, conseguimos contrar um transporte que nos levaria, no dia seguinte, para visitar a pinguinera que fica próxima a Onaisin. Essa é uma colônia de pinguins-rei que provavelmente não visitaríamos, porque fica 10 km ao sul do cruzamento pelo qual passaríamos a caminho de San Sebastian. O combinado foi que após a visita à piguinera, Juan, nosso motorista, nos deixaria nesse cruzamento para seguir viagem.
Último jantar em Porvenir, com Doris e Regina
Jantamos com Doris e Regina e elas nos contaram sobre seus planos de construir uma comunidade em sua cidade natal, Munique. Como a cidade é muito cara, elas e mais 18 amigos estão tentando comprar da prefeitura um terreno (a preço justo, sem especulação; um programa do governo municipal) para construir um prédio ou algo similar onde todos possam morar. Como é necessário haver uma contrapartida para a sociedade, o lugar incluirira espaços para atividades para a comunidade, como cursos, palestras etc. O local também teria um apartamento para que, no futuro, quando seus fundadores forem idosos, um cuidador possa morar lá e cuidar deles.
Na manhã seguinte, partimos com Juan pelo famigerado caminho de ripio. A paisagem da rota, que passa ao largo da baía Inútil, é muito bonita.
A caminhonete de Juan com as bicicletas
Mas as subidas e descidas íngremes mostraram que foi acertada a decisão de não nos aventurarmos pelo caminho. Como em outros trechos da viagem, o caminho conta com uma diversidade “nadas”, em termos de estruturas e suporte.
Pinguins-rei
A pinguinera é interessante, mas nada fantástico. Está localizada em propriedade particular e, antigamente, podia-se visitá-la de graça. Mas então o dono se deu conta de que podia ganhar dinheiro com isso e, hoje, se paga 12.000 pesos chilenos por pessoa. Os pinguins-rei ficam concentrados em dois lugares: junto ao rio e na praia. Nesse dia, estavam muito juntos por conta do vento forte e frio.
Crescendo no caminho
Como havíamos chegado por volta das 10 h, tivemos que esperar a bilheteria abrir (às 11 h). Nesse meio tempo, uma van parou e também ficou esperando. Curiosa com os dizeres pintados na lataria — um URL que lia http://www.creciendoenelcamino.com — a Sandra foi falar com o motorista e descobriu que era um casal argentino que estava viajando com o filho de uns dois anos do Ushuaia até o Alasca. Eles sempre quiseram afzer essa viagem e, quando o filho nasceu, viram que era agora ou nunca.
Um abrigo no meio do nada
Conforme combinado, Juan nos deixou no cruzamento que leva de volta a Poervenir para oeste, a Cerro Sombrero para o norte, Onaisin para o sul, e San Sebastian para leste. O vento era forte e incansável, mas, por sorte, há uma casinha — outro ponto de ônibus — ali, no meio do nada, que proporciona algum abrigo. Entramos com as bicicletas para comer nossos sanduíches e arrumar tudo. Nas paredes internas, encontramos mensagens de outros ciclistas e viajantes que também pararam ou pernoitaram ali.
Infelizmente, confirmamos a informação nos dada de que a estrada após o cruzamento era de ripio e assim seria até o posto argentino da fronteira, em San Sebastian. Pelo menos, o vento forte estava a nosso favor. Mal tínhamos que pedalar — a ventania nos empurrava, mesmo nas subidas. Claro que, quando a rodovia mudava de direção, o vento, de aliado, passava a inimigo. Em uma descida com vento de lado, a Sandra foi jogada ao chão, mas não se machucou.
39 km no meio do nada
E assim seguimos por uma paisagem inóspita. Uma coisa que ficou clara foi que uma amarração de bagagem que funciona no asfalto, não necessariamente se dá bem numa estrada de ripio, onde a trepidação é constante e os solavancos fortes. Tivemos que parar várias vezes para reforçar nós e reorganizar os volumes nas três bicicletas. Como se não bastasse, o bagageiro do Hélio quebrou e só aguentou o caminho com a ajuda dos deuses do cicloturismo.
A fronteira
Quando chegamos no lado chileno da fronteira, 39 km depois do cruzamento, uma mulher que tinha uma venda dentro de um ônibus nos informou que havia uma hospedaria próxima, mas que era cara, e que valia mais a pena ficar na do lado argentino. Apesar de não ter banheiro para clientes, permitiu que Sandra usasse o de sua casa. Seu marido também nos ajudou, conseguindo um parafuso que desse um pouco mais de firmeza ao bagageiro do Hélio, de maneira que a estrutura aguentasse até chegarmos a Rio Grande, onde uma mecânico de bicicletas pudesse resolver o problema definitivamente.
Olá, pavimento, meu velho amigo!
Depois de um rápido trâmite no posto chileno, pedalamos por 16 km até o posto argentino, onde vi uma placa com as duas palavras mais bonitas da língua espanhola: “Inicio pavimento”. Na entrada do posto, conhecemos uma casal de suíços, Daniel e Jaqueline. Eles nos disseram que o posto tinha uma sala com água e aquecimento, onde ciclistas e outros viajantes podiam pernoitar. Como não falavam espanhol, pediram nossa ajuda para descobrir onde era.
Chegamos!
Descobrimos o local, carimbamos nossos passaportes e fomos com eles até a sala, onde já havia um casal de Hong Kong (que viajava há três anos em bike) acampado. Depois de nos instalarmos, um casal de Buenos Aires que viajava de moto também chegou e todos nós passamos a noite no posto.