Pedal patagônico: Trecho 2.2 – Porvenir –> San Sebastian

Atravessando o estreito de Magalhães
Atravessando o estreito de Magalhães

A travessia do estreito de Magalhães foi tranquila, feita, em meio ao vento e ao sol, a bordo da barca Pathagon. Infelizmente, não rolou nenhuma aparição de golfinhos ou baleias. O desembarque foi realizado na baía Chilota, na Terra do Fogo, a 5 km de Porvenir. Essa distância foi rapidamente percorrida e logo chegamos à cidade, uma “megalópole” de 5 mil habitantes, a grande maioria dos quais não parece muito entusiasmada em aparecer na rua.

Baía Chilota e, ao fundo, Porvenir
Baía Chilota e, ao fundo, Porvenir

Seguimos direto para nossa hospedagem, o albergue Los Canelos, e, logo na porta, conhecemos duas turistas alemães que iriam ficar no mesmo lugar: Doris e Regina. De fora, o albergue assusta um pouco — uma casa amarela um pouco dilapidada que poderia funcionar facilmente como locação de filme de terror. Mas, ao entrar, essa sensação muda completamente. Não só o interior da casa é confortável, aconchegante e bem arrumado, sua dona, Margarita, é uma pessoa muito amável que faz você se sentir como se estivesse em sua própria casa. Tanto nós como as alemães tiveram essa impressão.

Albergue Los Canelos
Albergue Los Canelos

Almoçamos com Doris e Regina no restaurante Croacia e, depois, tomamos um café no albergue Yendegaia. Mais tarde, Sandra, Hélio e eu fomos dar uma volta por Porvenir nas bicicletas. A cidade não tem muitos atrativos, mas há um mirante num morro e decidimos visitá-lo ao cair da noite. O passeio serviu também para testarmos nossas habilidades de manobra em pista de ripio. A subida e a descida foram tensas, porque tínhamos que ficar bem atentos para que a bike não derrapasse e fôssemos ao chão. A ideia de repetir a experiência ao longo de uma estrada de 97 km não apeteceu nosso coração de cicloturista de primeira viagem e começamos a pensar em como conseguirmos um transporte para esse trecho.

Mapa de Porvenir no albergue Yendegaia
Mapa de Porvenir no albergue Yendegaia

No dia seguinte, nos aventuramos pela estrada que leva ao norte da cidade para conhecer a laguna Los Cisnes, onde, supostamente, haveria flamingos. Depois de 12 km, encontramos a laguna, mas ela estava um pouco mais distante do que imaginávamos:

A caminho da laguna Los Cisnes
A caminho da laguna Los Cisnes
Laguna Los Cisnes... Muito longe.
Laguna Los Cisnes… Muito longe.

Ao voltar a Porvenir, descobrimos que a laguna já não era mais tão badalada, porque as pessoas deixavam seus animais pastarem na área e acabaram espantando as aves. Almoçamos no hotel Barlovento, que fica no caminho para a laguna, e, de tarde, conseguimos contrar um transporte que nos levaria, no dia seguinte, para visitar a pinguinera que fica próxima a Onaisin. Essa é uma colônia de pinguins-rei que provavelmente não visitaríamos, porque fica 10 km ao sul do cruzamento pelo qual passaríamos  a caminho de San Sebastian. O combinado foi que após a visita à piguinera, Juan, nosso motorista, nos deixaria nesse cruzamento para seguir viagem.

Último jantar em Porvenir, com Doris e Regina
Último jantar em Porvenir, com Doris e Regina

Jantamos com Doris e Regina e elas nos contaram sobre seus planos de construir uma comunidade em sua cidade natal, Munique. Como a cidade é muito cara, elas e mais 18 amigos estão tentando comprar da prefeitura um terreno (a preço justo, sem especulação; um programa do governo municipal) para construir um prédio ou algo similar onde todos possam morar. Como é necessário haver uma contrapartida para a sociedade, o lugar incluirira espaços para atividades para a comunidade, como cursos, palestras etc. O local também teria um apartamento para que, no futuro, quando seus fundadores forem idosos, um cuidador possa morar lá e cuidar deles.

Na manhã seguinte, partimos com Juan pelo famigerado caminho de ripio. A paisagem da rota, que passa ao largo da baía Inútil, é muito bonita.

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A caminhonete de Juan com as bicicletas
A caminhonete de Juan com as bicicletas

Mas as subidas e descidas íngremes mostraram que foi acertada a decisão de não nos aventurarmos pelo caminho. Como em outros trechos da viagem, o caminho conta com uma diversidade “nadas”, em termos de estruturas e suporte.

 

Pinguins-rei
Pinguins-rei

A pinguinera é interessante, mas nada fantástico. Está localizada em propriedade particular e, antigamente, podia-se visitá-la de graça. Mas então o dono se deu conta de que podia ganhar dinheiro com isso e, hoje, se paga 12.000 pesos chilenos por pessoa. Os pinguins-rei ficam concentrados em dois lugares: junto ao rio e na praia. Nesse dia, estavam muito juntos por conta do vento forte e frio.

Crescendo no caminho
Crescendo no caminho

Como havíamos chegado por volta das 10 h, tivemos que esperar a bilheteria abrir (às 11 h). Nesse meio tempo, uma van parou e também ficou esperando. Curiosa com os dizeres pintados na lataria — um URL que lia http://www.creciendoenelcamino.com — a Sandra foi falar com o motorista e descobriu que era um casal argentino que estava viajando com o filho de uns dois anos do Ushuaia até o Alasca. Eles sempre quiseram afzer essa viagem e, quando o filho nasceu, viram que era agora ou nunca.

Um abrigo no meio do nada
Um abrigo no meio do nada

Conforme combinado, Juan nos deixou no cruzamento que leva de volta a Poervenir para oeste, a Cerro Sombrero para o norte, Onaisin para o sul, e San Sebastian para leste. O vento era forte e incansável, mas, por sorte, há uma casinha — outro ponto de ônibus — ali, no meio do nada, que proporciona algum abrigo. Entramos com as bicicletas para comer nossos sanduíches e arrumar tudo. Nas paredes internas, encontramos mensagens de outros ciclistas e viajantes que também pararam ou pernoitaram ali.

Infelizmente, confirmamos a informação nos dada de que a estrada após o cruzamento era de ripio e assim seria até o posto argentino da fronteira, em San Sebastian. Pelo menos, o vento forte estava a nosso favor. Mal tínhamos que pedalar — a ventania nos empurrava, mesmo nas subidas. Claro que, quando a rodovia mudava de direção, o vento, de aliado, passava a inimigo. Em uma descida com vento de lado, a Sandra foi jogada ao chão, mas não se machucou.

39 km no meio do nada
39 km no meio do nada

E assim seguimos por uma paisagem inóspita. Uma coisa que ficou clara foi que uma amarração de bagagem que funciona no asfalto, não necessariamente se dá bem numa estrada de ripio, onde a trepidação é constante e os solavancos fortes. Tivemos que parar várias vezes para reforçar nós e reorganizar os volumes nas três bicicletas. Como se não bastasse, o bagageiro do Hélio quebrou e só aguentou o caminho com a ajuda dos deuses do cicloturismo.

A fronteira
A fronteira

Quando chegamos no lado chileno da fronteira, 39 km depois do cruzamento, uma mulher que tinha uma venda dentro de um ônibus nos informou que havia uma hospedaria próxima, mas que era cara, e que valia mais a pena ficar na do lado argentino. Apesar de não ter banheiro para clientes, permitiu que Sandra usasse o de sua casa. Seu marido também nos ajudou, conseguindo um parafuso que desse um pouco mais de firmeza ao bagageiro do Hélio, de maneira que a estrutura aguentasse até chegarmos a Rio Grande, onde uma mecânico de bicicletas pudesse resolver o problema definitivamente.

Olá, pavimento, meu velho amigo!
Olá, pavimento, meu velho amigo!

Depois de um rápido trâmite no posto chileno, pedalamos por 16 km até o posto argentino, onde vi uma placa com as duas palavras mais bonitas da língua espanhola: “Inicio pavimento”. Na entrada do posto, conhecemos uma casal de suíços, Daniel e Jaqueline. Eles nos disseram que o posto tinha uma sala com água e aquecimento, onde ciclistas e outros viajantes podiam pernoitar. Como não falavam espanhol, pediram nossa ajuda para descobrir onde era.

Chegamos!
Chegamos!

Descobrimos o local, carimbamos nossos passaportes e fomos com eles até a sala, onde já havia um casal de Hong Kong (que viajava há três anos em bike) acampado. Depois de nos instalarmos, um casal de Buenos Aires que viajava de moto também chegou e todos nós passamos a noite no posto.

 

 

Não tem pra ninguém!
Dormindo no posto
Dormindo no posto

Pedal patagônico: Trecho 2.1 – Punta Arenas –> Porvenir

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A costanera de Punta Arenas

Apesar de termos chegado em Punta Arenas com dois dias de antecedência, não pudemos sair mais cedo (o plano original era ficar apenas três, o que, percebemos, é mais que suficiente para conhecer a cidade), porque tínhamos que esperar nosso amigo Hélio, que se juntaria a nós pelo resto da viagem. Ele só chegaria no dia 6 de janeiro, à noite. Assim, tivemos que achar coisas para fazer em Punta Arenas. Logo no primeiro dia, demos uma rodada pelo centro da cidade, comemos churros, passeamos um pouco pela costanera e jantamos num lugar chamado Fusiones.

Píer na costanera que serve de pouso para os pássaros
Píer na costanera que serve de pouso para os pássaros

Não gostamos do serviço nesse restaurante, mas aconteceu algo engraçado. A garçonete trouxe pão e manteiga, mas queríamos que ela levasse embora. Então pedimos que retirasse o cubierto. Ela nos olhou de maneira estranha, retirou todos os talheres e deixou o pão. Ficamos um pouco irritados e questionamos por que ela tinha feito isso. A moça respondeu que tínhamos pedido para retirá-los. Foi aí que descobrimos que cubierto não é o mesmo que o nosso couvert — significa talheres.

 

As nuvens de Punta Arenas
As nuvens de Punta Arenas

Reparamos logo que Punta Arenas é uma cidade cara, mas outra peculiaridade que notamos foi que parece haver um pouco de má vontade com o turista, como se a ideia fosse arrancar o máximo de dinheiro dele. Por exemplo, um dia, lá pelas 12:30, vimos uma placa anunciando menu (prato executivo) a 6.500 pesos chilenos. Entramos no restaurante (Santino’s), onde literalmente todos os clientes estavam comendo o menu e o pedimos. O garçom informou que já havia acabado e nos passou o cardápio, onde o prato mais barato custava 13.500. Fomos embora, obviamente.

Chamada de gente grande
Chamada de gente grande

Nosso segundo dia foi bem relaxado, com mais passeios pelo centro. Aproveitamos também e compramos um tour para o Parque Nacional Pali Aike, que fica a 90 km de Punta Arenas, para o dia seguinte. Pali aike significa “lugar (aike) para onde os maus espíritos vão (pali)” em tehuelche (ou aonikenk). Descobrimos ainda um bom lugar para comer rápido, barato e com boa qualidade: o Lomito’s. Achamos ainda uma loja de bicicletas, a Bike Service Patagonia, para dar uma olhada na minha transmissão dianteira e no passador de marchas da Sandra, que estavam dando problemas. Resolvemos deixar as duas bicicletas para uma revisão geral.

O Parque Nacional Pali Aike é um lugar onde existia um vulcão, agora extinto, e a paisagem consiste de pampa e áreas cobertas por lava antiga. Apesar de haver alguns lugares interessantes e momentos onde realmente parece que você está em outro planeta, não ficamos muito entusiasmados com o passeio. O forte vento que soprou durante todo o tempo pode ter contribuído para isso. A Sandra até sugeriu que mudássemos a definição de “armadilha de turista” para “passeio em Pali Aike”. Sugestão corroborada por uma rápida pesquisa com os outros participantes do tour: uma canadense e a mãe e a filha de uma família alemã. No final, o passeio incluiu o que chamei de a “experiência tehuelche”: tivemos que andar dois ou três quilômetros, incluindo uma subida, contra o vento até chegar à van. Para não dizer que tudo foi ruim, aprendemos muito sobre a história dos povos indígenas da região e sobre o Chile com a nossa guia, a Jasmina.

Paisagem de Pali Aike
Paisagem de Pali Aike
Sandra Tehuelche
Sandra Tehuelche

No quarto dia, fomos à Bike Service Patagonia pegar nossas bicicletas. Descobrimos que, apesar de supostamente terem realizado uma revisão, os problemas que havíamos relatado permaneciam. Tivemos que ressaltar isso e esperar que o dono e mecânico-chefe,  Claudio Botten, resolvesse as questões. Acabei trocando a transmissão dianteira. Na hora de pagar, a gerente queria me cobrar por “mão de obra”. Questionei se isso não fazia parte da revisão e ela acabou cedendo. De posse das bikes, visitamos alguns pontos mais turísticos da cidade, como o cemitério, considerado o sexto mais bonito do mundo. Não sei como se chega a um ranking desses, mas minha impressão foi de que a beleza fúnebre de Punta Arenas foi superestimada. Fomos também na zona franca da cidade, uma coleção de lojas que fica numa área isenta de impostos. Algumas coisas eram mais baratas, outras nem tanto. Compramos dois extensores e uma meia térmica.

Explorando "outro mundo" em Pali Aike
Explorando “outro mundo” em Pali Aike

Já hospedados no Kloketen, conhecemos duas hóspedes chilenas: Paulina e Valentina. Elas estavam viajando pela Terra do Fogo e depois iriam para o norte, para Puerto Natales. Estavam tentando reservar acampamento no parque Torres del Paine, mas não tinham informações precisas sobre a distância das trilhas etc. Ficamos felizes em compartilhar nossas informações com elas.

No dia 7, nosso quinto dia em Punta Arenas, Hélio bateu à nossa porta. Passeamos com ele pela costanera, pelo centro (apresentando-o ao Lomito’s), fomos novamente à zona franca, desta vez para comprar mantimentos para a viagem, e almoçamos num restaurante muito bom chamado Chumanguito. Hélio, sob orientação da Sandra, também iniciou sua peregrinação pelas lojas de material esportivo à procura de luvas impermeáveis, mas não teve sucesso.

Hélio em Punta Arenas
Hélio em Punta Arenas
Reunião na costanera
Reunião na costanera

No dia seguinte, saímos às 8:15 da manhã para pegar a barca que nos levaria a Porvenir, do outro lado do estreito de Magalhães. A viagem dura duas horas e só é realizada se o mar apresenta condições favoráveis. Por sorte, esse era o caso naquela manhã. Se a viagem tivesse sido cancelada, teríamos que esperar mais um dia, porque, em Punta Arenas, a travessia só é realizada uma vez por dia, às 9 da manhã. Mais ao norte, em Punta Delgada, na Argentina, há uma barca a cada 15 minutos, mas, lá, o trecho a se cruzar é bem mais curto.

Comendo bem no Chumanguito
Comendo bem no Chumanguito

Pedal patagônico: Trecho 1.3 – Villa Tehuelches –> Punta Arenas

No dia 3 de janeiro, domingo, despertamos às 4:45 da manhã (os franceses levantaram às 5 h) e levantamos acampamento. Às 6 h, com o sol já subindo no horizonte, partimos os quatro rumo a Punta Arenas. Como previsto, so franceses logo abriram distância e suiram no horizonte, mas pedalar na rodovia vazia e sem vento foi bem legal e proporcionou fotos bastante bonitas, como essa:

"Riding into the world, all alone"
“Riding into the world, all alone”

Nossa ideia era fazer uma parada em Gobernador Philips, a 50 km, onde nos disseram que havia um posto de gasolina e uma lanchonete. De fato, havia um posto de gasolina no caminho, mas desativado, a lanchonete estava fechada. Quando batemos na porta, fomos saudados por dois cachorros, um grande e um pequeno, com cara de poucos amigos, e uma ovelha. Resolvemos nos afastar e procuramos abrigo em outro ponto de ônibus, este bem menor do que aquele em que dormimos. Comemos nossos sanduíches e seguimos viagem.

P'roximos a Punta Arenas
Próximos a Punta Arenas

Nessa parte do trajeto, a rodovia volta para o nível do mar e costeia o oceano Atlântico. Ela vira uma reta que, junto com a paisagem um tanto quanto monótona, chega a dar sono. Assim fomos vencendo os quilômetros que nos separavam de Punta Arenas. Numa placa a 22 km da cidade, descobrimos que estávamos no Circuito Aonikenk (aonikenk era como os tehuelches se chamavam em sua própria língua e significa algo como ‘povo do sul’ ou ‘homens do sul’, que é o mesmo significado de tehuelche, só que este em mapuche).

 

Descansando antes de chegar
Descansando antes de chegar

Já dentro dos limites da cidade e cansados, fomos “brindados” com uma série de subidas e descidas na forma de viadutos. A essa altura, já havíamos percorrido mais de 90 km e aproveitamos para dar uma descansada nos pontos de ônibus novamente. Lá pelas 13 h, finalmente chegamos à rua Zenteno, onde fica o Hostal Kloketen. Foi um pouco confuso, porque o albergue fica no número 626, mas a rua começava no 400 e muito e ia diminuindo. Perguntamos a alguma spessoas, mas so resolvemos quando ligamos para o Kloketen e a Silvana nos disse que ficavam perto de uma cervejaria. Descobrimos que os números diminuiam e começavam a subir de novo. Como chegamos com dois dias de antecedência, Silvana não tinha lugar para nós, mas conseguiu um quarto numa outra hospedaria, a Karol, onde ficamos.

Pedal patagônico: Trecho 1.2 – Hotel Rio Rubens -> Villa Tehuelches

IMG_20160102_111241623Na noite anterior, a dona do hotel havia pintado um cenário desolador quanto às chances de encontrar abrigo na ruta 9 antes de chegar a Punta Arenas. Já sabíamos disso pela nossa pesquisa prévia e pelas informações obtidas com um amigo da Naíra, do Domos, mas tínhamos perguntado na esperança de não estarmos tão bem informados. No mapa, havia indicação de mais dois hotéis ao longo da rodovia. Segundo a dona, um não existia mais e o outro era numa estrada secundária, de ripio (cascalho). O único povoado no caminho, Villa Tehuelches, não teria uma pensão ou albergue, mas provavelmente poderíamos armar nossa barraca em algum canto.

Na manhã do dia 2 de janeiro, saímos do Hotel Rio Rubens às 10 h com um vento de cauda que nos impulsionou estrada abaixo. Como queríamos pernoitar em algum lugar com um semblante de civilização, nosso plano era conseguri compeltar os 80 ou 90 km (as informações eram contraditórias) que nos separavam de Villa Tehuelches naquele dia. Antes, tentaríamos sondar as possibilidades de pernoite em Morro Chico, que ficava a 40 km do hotel, mas já sabíamos que as chances de haver algo além do posto dos carabineros (a polícia chilena) era remota.

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Morro Chico

Duas horas e meia depois de partirmos do hotel, chegamos a Morro Chico. O lugar era um antigo sítio arqueológico qu epodia ser visitado, mas hoje em dia não há nenhuma atividade no local, embora ainda seja possível subir a pedra. Como previsto, o único ponto de suporte era o posto dos carabineros, que está localizado lá por conta da proximidade com a fronteira da Argentina. O policial confirmou nossas informções e, ao contrário da dona e funcionárias do hotel Rio Rubens, que nos disseram ser muito raro ver ciclistas na rodovia, nos disse que já haviam passado vários cicloturistas naquelas semanas. Depois de usarmos, o banheiro do posto, comemos nossos sanduíches expostos ao vento incessante e continuamos viagem.

Lutando contra o vento
Lutando contra o vento

Ao longo da tarde, devido à mudança de curso da rodovia ou simplesmente ao seu capricho, o vento intenso passou a nos pegar de lado, dificultando em muito o progresso. O vento em si nem era o problema principal — as rajadas, bem mais fortes, é que complicavam tudo. Quando vinham, nos jogavam de próximo do acostamento para o meio da via e, às vezes, até para a pista oposta. Paramos váriaz vezes e cogitamos pedir abrigo numa das estâncias ou carona a um dos poucos veículos que passavam, mas desistimos e continuamos.

Depois de quatro horas (e um total de 82 km pedalados naquele dia), vimos com felicidade a placa que anunciava Villa Tehuelches, que, para a nossa alegria, mostrava, entre os serviços disponíveis no povoado, hospedagem. Logo na entrada da vila, à beira da estrada, haviam dois negócios. Uma cafeteria e uma venda. A funcionária da venda destruiu nosss esperanças, dizendo que não havia pensão ou albergue nem Villa Tehuelches. Tentamos convencê-la a nos deixar estender nossos sacos de dormir em algum depósito do estabelecimento, já que o prospecto de erguer a barraca naquele vento era tenebroso. Ela quase cedeu, mas sua mãe de coração empedernido vetou a possibilidade.

O carabinero de plantão explicou que a cidade ficava vazia no fim de semana (era domingo) e que poderíamos armar a barraca na Medialuna, local onde realizavam uma espécie de rodeio, ou no ponto de ônibus. Não havia viva alma nas ruas e quando pegamos uma mulher nos espiando pela janela de sua casa, ela rapidamente fechou a cortina A igreja, segundo o policial, ficava fechada e o padre só vinha uma vez por mês, mas quando passamos por ela, havia um grupo entrando — tinham vindo de Punta Arenas visitar a Virgen de Los Pampas. Disseram que a igreja ficava sempre aberta e que podíamos estender nossos sacos de dormir lá se o carabinero concordasse. Ele respondeu que não sabia quem eram essas pessoas e não poderia concordar, a não ser que elas viessem conversar com ele.

Acampando no ponto de ônibus de Villa Tehuelches
Acampando no ponto de ônibus de Villa Tehuelches

Nesse meio tempo, Sandra encontrou um casal de cicloturistas franceses, Julia e Laurent. Após confabularmos sobre as possibilidades de Villa Tehuelches, Laurent investigou o ponto de ônibus e o aprovou. Nos instalamos e conversamos sobre as respectivas experiências. Os franceses haviam tirado um sabático estendido — direito garantido na legislação trabalhista francesa — e estavam viajando há 12 meses, tendo começado na Colômbia. Eles ainda tinham mais um mês de jornada. Combinamos despertar cedo na manhã seguinte para sairmos às 6 h e, assim, evitarmos o vento, que começava a ficar mais forte lá pelas 10 h, quando o ar aquecido pelo sol sube e cria uma zona de baixa pressão que arrasta os ventos frios dos Andes para os pampas. Tínhamos nossas dúvidas se conseguiríamos acompanhá-los — Julia e Laurent haviam saído de Puerto Natales naquele dia e percorrido 150 km em cerca de seis horas.

 

Pedal patagônico: Trecho 1.1 – Puerto Natales -> Hotel Rio Rubens

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Na ruta 9, a rota do fim do mundo

Após retornar de Torres del Paine no dia 31 de dezembro e passar um Ano Novo “selvagem” (SQN) em Puerto Natales, onde as ruas ficam vazias e os fogos de artifício são sinalizadores de emergência, na companhia de duas simpáticas roraimenses, Juliana e Livia, partimos na tão sonhada primeira viagem de cicloturismo. Era primeiro de janeiro e o dia estava bonito e sem vento. A ideia era sair cedo, tipo 9 ou 10 h, mas a arrumação da bagagem e seu posicionamento no bagageiro se mostraram um pouco mais complicados. Entre várias tentativas e a conclusão de que devíamos ter estudados nós de marinheiro, acabamos saindo só às 12:30.

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Mirante na ruta 9

Sair de Puerto Natales foi fácil: seguimos a costanera, a rodovia que margeia a costa, até a ruta 9 e, depois, os sinais que indicavam Punta Arenas, que fica a 240 km. Os primeiros quilômetros tinham muita subida, mas não muito íngreme, já que o ganho de altitude é espaçado em um trecho muito longo. Em alguns lugares, eu nem percebia que era subida, de tão leve que era a inclinação, e ficava me perguntando porque só estávamos fazendo 10 ou 11 km/h. Depois vieram as descidas e longos trechos planos. A rota é margeada por estâncias e negócios, com um riacho ou lago ocasional.

IMG_20160101_212219263Após 63 km e seis horas de viagem (nem todas pedalando, pois paramos para comer e beber água), chegamos ao Hotel Rio Rubens, único bastião dos confortos modernos, como cama e água quente, que havíamos visto desde Puerto Nataes. Decidimos pernoitar aí, apesar de eu achar que podíamos viajar mais um pouco. Na minha cabeça, só tínhamos três dias para chegar em Punta Arenas. No entanto, ao checar nosso roteiro, vi que fomos bastante conservadores e nos concedemos cinco dias para o trecho. De fato, nosso planejamento previa parar após 65 km num povoado chamado Los Angeles que não vimos em lugar algum.

As funcionárias do hotel pareceram bastante surpresas de nos ver pedindo um quarto. O hotel é uma parada comum para os viajantes da ruta 9 nessa região, porque é um dos poucos lugares onde pode conseguir refeições, mas não parece ser muito usado para pernoite. Guardamos nossas bicicletas num galpão e jantamos uma milanesa a lo pobre (com dois ovos, batata frita e cebola caramelizada). Para o primeiro dia de viagem de nossa primeira expedição de cicloturismo, consideramos o trecho um sucesso.

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Milanesa a lo pobre

Pedal patagônico: Trecho 0 – Glaciar Perito Moreno & Torres del Paine

El Calafate

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Frio e chuva em El Calafate

A viagem (mas não o pedal) começou com uma passada por El Calafate (nome de um arbusto comum no pampa), na Argentina, para visitar o glaciar Perito Moreno. Quando chegamos estava frio e chuvoso, o que nos levou a questionar a sabedoria de nossa escolha de vestimenta para o pedal patagônico. Depois do check in no Glaciar Perito Moreno Hostel, fomos ao centro da cidade, que fica a 15 minutos a pé. A Sandra comprou um novo par de luvas impermeáveis, porque sentiu que as que tinha não davam conta. Mas, tudo bem, sabíamos que esse tipo de coisa seria parte de uma viagem de bicicleta. Só que aí, no dia seguinte:

 

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El Calafate debaixo de neve

Neve! Quando acordamos, tudo estava coberto de branco. Foi aí que realmente questionamos nosso preparo logístico para o pedal patagônico. Ao longo do dia, no entanto, o tempo foi melhorando e o sol abriu. Ficou claro que aquela neve havia sido um evento extraordinário e no resto da semana, quando já estávamos em Puerto Natales, só tivemos tempo bom.

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Glaciar Perito Moreno

O glaciar Perito Moreno é um lugar que vale a pena visitar. O passeio que compramos incluía uma passagem pelas passarelas, um rápido (20 minutos) translado de barco para a outra margem e um minitrekking sobre o glaciar de 1:30 h. Nossa experiência foi atípica, segundo o guia, porque caminhanhos mais sobre a neve que o gelo, a superfície normal que os visitantes costumam encontrar no Perito Moreno. Ainda assim, valeu muito a pena.

Se você não está interessado em caminhar sobre o glaciar ou ver o gelo de um barco, pode seguir no seu próprio carro até o parque, pagar a entrada e se dirigir as passarelas. Se quer navegar, há passeios mais longos (e mais caros). O bom do passeio que contratamos, é que se tem as três experiências. E, no final do minitrekking, ainda vimos um bloco gigantesco de gelo se desprender do glaciar e cair no lago. Foi rápido demias para tirarmos uma foto.

Um detalhe sobre El Calafate: apesar de ser uma cidade que vive basicamente do turismo, eles parecem não se esmerar tanto em agradar o turista. Compramos o minitrekking no glaciar com a Patagonia Extrema que incluía sermos buscados no albergue às 10 h. Às 9:15, enquanto eu voltava do supermercado, ligaram para o albergue e informaram a Sandra de que não nos pegariam e que deveríamos estar na empresa de passeio até as 9:50 ou partiriam sem nós. Uma série de telefonemas não revelou informação alguma a não ser que uma mulher nos disse para pegar um táxi que eles pagariam. Quando chegamos na Hielo & Aventura, as atendentes disseram que não haviam dito isso e não se responsabilizavam por nada. Descobríamos que há uma espécie de terceirização dos passeios. Você compra com uma agência, que reserva o passeio com outra, que transfere a logística para outra. Enfim, fizemos o passeio, mas só resolvemos o problema à noite, na Huellas del Sur, que nos ressarciu pelo táxi, mas continuamos sem saber o motivo da desorganização e do descaso.  A moça que nos atendeu disse que aquilo era comum, tanto o erro como o jogo de empurra, e que, apesar de não saber o que tinha acontecido, não nos deixaria na mão. Para finalizar, tínhamos agendado um táxi para levar nos levar com as bicicletas para a rodoviária. Ele não apareceu e a agência de táxis disse que não sabia de nada. Foram momentos tensos até que conseguimos um carro, mas ele teve que fazer as viagens duas vezes.

Por isso, se for a El Calafate, ceritfique-se dessas coisas.

Puerto Natales

A viagem de ônibus de El Calafate a Puerto Natales dura cinco horas, uma parte das quais você perde nos trâmites de fronteira. O posto argentino, em Rio Turbio, demora porque é preciso pegar o carimbo no passaporte e todos tem que desembarcar. No posto chileno, além disso, é preciso retirar toda a bagagem e passá-la pelo raio-x. Quase perdemos nossos sanduíches, porque o motorista disse que não se podia entrar com frios no Chile, mas, na fronteira, a guarda explicou que se os frios estavam em pães não havia problema. Não entendi porque, mas agradeci não ter que comer três sanduíches super-rápido, como fiz com a maçã.

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Vista da costanera de Puerto Natales

Na rodoviária de Puerto Natales, a Sandra sugeriu que montássemos as bicicletas e pedalássemos até o Hostel Domos House. Foi aí que percebemos as avarias no transporte das bikes: a blocagem dianteira e o disco de freio da Sandra, assim como minha transmissão dianteira, estavam empenados. O que fazer? Era domingo, mas havia uma loja de bicicletas aberta e ficava perto da estação, El Rey de las Bicicletas.

Fui lá e expliquei a situação. A dona da loja disse que seu irmão, o mecânico, havia levado sua mãe para Punta Arenas para ser hospitalizada e, talvez, voltasse na terça ou na quarta. Por isso, sugeriu que eu procurasse outro mecânico, só que ela não possuía o contato dele e só uma vaga noção de seu endereço. O problema é que eu e a Sandra partíamos na manhã seguinte para Torres del Paine e não teríamos como procurar ajuda em outro lugar. Implorei, sugeri pagar pelo serviço da loja e do outro mecânico se eles ficassem encarregados de achá-lo etc. Acabou que o filho da senhora, o mecânico assistente, checou as bicicletas e constatou que eram problemas simples. Ele se prontificou a arreglalos até às 20 h daquele dia e cumpriu o prometido.

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Interior de um dos domos do Domos

O Domos é um ótimo albergue se você estiver na área (só não tem banheiro privativo). Adrian, o dono, e Naíra, sua funcionária, são muito prestativos e atenciosos. Além disso, ele está bem localizado no centro, a uma quadra e meia da costa e uma quadra da principal rua comercial, a Bulnes.

Haveria muito o que escrever sobre Torres del Paine, mas me limitarei a dizer que recomendamos fortemente a visita. Fizemos o circuito W incompleto (chamamos de V). Não fomos até o glaciar Grey, porque já havíamos visitado o Perito Moreno, e terminamos nosso trekking no refúgio Paine Grande, pegando o catamarã para Pudeto, de onde tomamos o ônibus de volta para Puerto Natales.

Conhecemos muita gente legal lá: os alemães Uwe e Evelyn Bauer, os americanos Abe e Mariapaz Stern, e Luigi e Cristina, um casal ítalo/brasileiro. Isso, somado à beleza da natureza no parque (vejam as fotos abaixo), fizeram nossa visita ser muito especial.

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Trilha do lago Nordenskjold
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Vista do mirador Francês
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Acampamento Los Cuernos, à margem do lago Nordenskjold

Pedal patagônico: recursos

Desde a concepção da viagem até a fase de preparos, nos valemos de vários recursos, quase todos encontrados na internet, onde informaçnao sobre cicloviagem é o que não falta. Listo abaixo aqueles que foram mais vitais.

Curitiba ao Fim do Mundo – blog de Luiz Fernando Chagas da Silveira sobre a cicloviagem que ele fez em 2015. Foi a primeira menção a algo similar ao que nós planejávamos que encontramos na internet. Depois, entramos em contato com o Luiz e ele foi bastante gentil em responder às nossas perguntas.

Onde Pedalar – canal do youtube com centenas de vídeos sobre os mais variados assuntos ciclísticos, desde mecânica até cicloturismo. Foi bem útil para nós, tirando várias dúvidas e dando dicas do que fazer. O Marcelo Rudini, o âncora dos vídeos e dono da marca, também tem uma loja virtual com o mesmo nome. Compramos nossos alforjes lá.

Transpatagônia & Manual de Mountain Bike e Cicloturismo – dois livros escritos por Guilherme Cavallari, o primeiro conta sua viagem de seis meses ao redor da Patagônia. Foi uma leitura interessante e obtivemso algumas informações importantes sobre o trajeto. O segundo é, como um título diz, uma manual para quem quer fazer mountain bike e cicloturismo. É voltado mais para trilhas, mas tem informações relevantes de qualquer maneira.

Próxima postagem: Trecho 1 – Puerto Natales -> Punta Arenas

Pedal patagônico: roteiro

Originalmente, o roteiro consistia em começar a viagem em Ushuaia, na Terra do Fogo, e seguir até El Chaten. Um percurso de 1.295 km para ser feito em 29 dias.  ideia desde o princípio era de parar em determinados lugares e passar um ou mais dias lá para conhecê-los. Assim, nesse roteiro original, nossa quilometragem programada era bem generosa, com uma média de quase 108 km por dia pedalado.

Após estudarmos um pouco mais o trajeto, percebemos que essa estimativa era arriscada para a nossa primeira viagem — pra não dizer irreal. Retiramos El Chatén do roteiro, onde ficaríamos quatro dias, estabelecendo El Calafate como destino final. Decidimos ainda que não pedalaríamos de Puerto Natales até El Calafate, porque as informações que tivemos sobre o percurso indicavam ser uma estrada de terra e o trecho demoraria três ou quatro dias. Optamos por tomar um ônibus, reduzindo o total a ser pedalado para 705 km, e ajustamos a quilometragem média para cerca de 58 km por dia pedalado, inserindo novas paradas ao longo do caminho.

Finalmente, quando já havíamos feito algumas reservas de albergue e meio que fechado vários detalhes nos deparamos com a informação de que o melhor sentido para a nossa viagem na época em que pretendíamos realizá-la era de norte para sul e não o contrário. No verão, o regime de ventos na região é de norte e oeste majoritariamente. Logo, se partíssemos de Ushuaia rumo a El Calafate, teríamos ventos contra na maior parte do tempo, oq ue tornaria nossa jornada mais difícil ainda.

Por isso, invertemos o roteiro. Agora, sairíamos de El Calafate e seguiríamos sul até Ushuaia. O mapa do trajeto e a planilha final estão aqui embaixo.

Mapa do roteiro
Trajeto final programado para a viagem
Planilha do roteiro final
Planilha do roteiro final

Próxima postagem: recursos

Pedal patagônico: as bicicletas

Caloi T-Type Pro do Fred
Minha (ex)Caloi T-Type Pro

Um elemento essencial para uma viagem de cicloturismo é a bicicleta, obviamente. Apesar de eu e a Sandra (minha esposa) termos nossas bikes, elas estavam longe de ser ideais para a empreitada pedagônica. A minha é uma Caloi T Type Pro, que até é boazinha, mas é uma mountain bike (MTB) — eu prefiro uma híbrida — e seu quadro não é do tamanho apropriado para mim (tenho 1,95 m de altura). A da Sandra é uma Sundown Lady Bird de 30 anos! Dado esse cenário, e sabendo que para uma viagem pela Patagônia teríamos que ter bicicletas boas que permitissem um pedal confortável, resolvemos investir em novas bikes.

Há tempos, já vinha namorando a aquisição de uma híbrida, uma bicicleta que é melhor que uma MTB para estradas e que uma estradeira (também chamada speed, tipo Caloi 10) para trilhas. Ou, se você preferir, não é tão boa quanto uma MTB para trilhas ou que uma estradeira para estradas. Em suma, é o ponto intermediário entre os outros dois tipos. Quase comprei uma Merida Crossway 10 alguns anos atrás, mas uma mudança inesperada para a Barra da Tijuca acabou com os meus planos.

Sundown Ladybird da Sandra
Imagine como ficaria esta bike depois de cruzar a Patagônia…

Começamos a procurar opções e, após uma dica recebida em Ibitipoca (Minas Gerais), fomos à loja do Renato Estrella, na Barra, onde o Vítor nos apresentou aos modelos SirrusCrosstrail e Crossover (fabricantes de híbridas não são muito criativos na hora de dar nome aos seus produtos), da Specialized. A Sirrus era a mais barata; a Crossover, a mais cara, porém considerada o melhor modelo para cicloturismo. Depois de pensar muito e consultar outras opiniões, acabamos optando pela Crosstrail: ambas modelo masculino, mas a minha com o quadro XXL e a da Sandra com o S.

Nunca pensei que iria gastar tanto numa bike, mas a vantagem de se investir um pouco (ou muito mais) mais, além da qualidade, é claro, é o tal do bike fit, o ajuste da bicicleta ao ciclista de maneira a aumentar o conforto e a eficiência. Marcas mais especializadas costumam ter modelos com diferentes tamanhos de quadro, por exemplo. Como eu disse lá em cima, tenho 1,95 cm e a Sandra tem 1,58 cm. Obviamente, uma quadro bom para ela não será legal para mim e vice versa. E realmente faz diferença. Depois de ter começado a andar na Crosstrail, tive que usar a T Type para sair um dia e me senti dirigindo um velocípede. Vale a pena investir um pouco mais no bike fit. Se você estiver interessado nesse assunto, o que não falta é informação na internet, desde sites, como esse e esse; apps; e calculadoras, como essa (as definições das medições 3 e 4 estão trocadas, mas, fora isso, funciona) e essa.

Mais uma coisa, quando compramos as bicicletas, a Renato Estrella não possuía uma Crosstrail tamanho S em estoque, só a Crosstrail Disc, que tem freio mecânico a disco e não V-brake. Minha intuição era não comprar a Disc, porque o freio V-brake é muito mais simples de se fazer manutenção, uma fator importante para cicloturismo, mas como queríamos começar a treinar logo, acabamos aceitando a sugestão do vendedor (outro, não o Vítor) de que o freio a disco era mais eficiente. Foi um erro. Devíamos ter encomendado a bike com V-brake. A manutenção do freio a disco, quando comparado com o V-brake, é um pesadelo, sem falar que todo o sistema é mais sensível. Além disso, recentemente descobrimos que o custo benefício dos tipos de freio em ordem decrescente é V-brake, disco hidráulico e disco mecânico.

Agora não tem volta. Vamos torcer para não dar nada errado na viagem.

Em tempo, a T Type agora pertence ao Luiz.

Próxima postagem: roteiro

Pedal patagônico (ou pedagônico)

Devido a vários fatores, eu e minha esposa só conseguimos sincronizar nossas férias nesse fim de ano. Não é a melhor época, já que é alta temporada — costumamos viajar em setembro ou maio –, mas fazer o quê? Já tínhamos falado de fazer uma viagem de bicicleta, mas isso nunca se concretizara, por isso voltamos a pensar no assunto em meados de agosto. Ela sugeriu a Patagônia e fiquei intrigado com a possibilidade.

Começamos a pesquisar e encontramos o relato do Luiz Chagas, que fez Curitiba a Ushuaia de bicicleta. Trocamos algumas mensagens com o Luiz e ficamos animados. Obviamente, não iríamos tentar repetir a aventura dele — somos calouros em cicloturismo –, mas algo um pouco mais modesto parecia possível.

Nossa ideia original foi fazer o trecho Ushuaia-El Calafate, seguindo de aviao para a Terra de Fogo e começando o pedal de lá. Acabamos mudando isso com o tempo e, nesta série, vou descrever justamente esse progresso. Cada postagem falará de um tópico.

Com sorte, dá para terminar antes da viagem, dia 24 de dezembro.

Próxima postagem: as bicicletas.

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